Situação espiritual do nosso tempo

Ouve-se julgar negativamente este nosso tempo porque tem mesmo um fenômeno de rejeição diante de uma certa espiritualidade transmitida no passado e que hoje  é considerada inadequada para expressar ou animar a atual situação histórica.
Na realidade, apesar destas sombras, nossa época está cheia de movimentos espirituais que demonstram a vitalidade do sentido religioso no mundo atual e particularmente na Igreja. Em relação aos últimos anos, observa-seo nascimento  de “nova sensibilidade” diante das dimensões místicas da vida humana... Notamos que no principio, este interesse orientou-se mais para formas de espiritualidade asiática, porem nos últimos anos, principalmente na América do norte e na Europa, ele se modificou, até certo ponto, em busca de contato com os místicos da tradição cristã, como São João da Cruz.
A pergunta relativa ao mistério mais profundo da vida, inquieta hoje muitas pessoas. Reaparece, sob forma de nova descoberta, a Palavra de Deus.
O renovado interesse espiritual da nossa época brotade profundas exigências de autenticidade, de interioridade e de liberdade, que a sociedade consumista não satisfaz.  A civilização industrial não cumpriu suas promessas: em vez de oferecer um mundo segundo a medida do homem, em que este pudesse morar e conviver procurandoo bem comum, nos trouxe entre outras coisas, o critério da produtividade como parâmetro de valor, a massificação, a manipulação das pessoas, incomunicabilidade, um futuro ameaçador, a atrofia dos sentimentos, a poluição ecológica.
Entre as tentativas mais ou menos acertadas e validas do homem contemporâneo, para reconquistar sua espiritualidade, aparecem nítidas as seguintes:
 
1.Recurso ao ocultismo.

Na cultura mundial contemporânea, surge um reflorescimento da magia e da astrologia,o qual se manifesta em vários modos: no espaço reservado ao horoscopo nos jornais e revistas; na frequência com que,especialmente nas zonas urbanas, se consultam magos, quiromantes,astrólogos; na explosão de livros dedicados a estes temas; na organização de profissionais de tais disciplinas. Tudo isso é índice do estado da crise sócio-cultural, da fragilidade cultural, da incapacidade para elaborar novos valores alternativos por parte de uma sociedade em que o individuo se sente isolado, desprotegido e frustrado.  Não obstante se reconhece o valor religioso do recurso ao ocultismo, porque a atividade magica e adivinhatoria sempre esteve inserida na necessidade humana de descobrir o que se esconde no mistério do cosmo. A proliferação de novas magiasem pleno contexto de progresso cientifico, denota , a cima de busca de solução a problemas pessoais, que “o enigma da vida e da morte continua sendo testemunho perene da condição humana diante do mistério”.
 
2.Interesse pela meditação oriental.

No mundo ocidental, exercem fascínio inegável a mística asiática e as formas de meditação da Yoga e do Zen. O encontro com o Oriente, propiciado pela vinda de mestres hindus e budistas ao Ocidente, determinou, aadoção de antigas praticas de concentração físico-mental e a descoberta de importantes ensinamentos espirituais, como a não violência e a força da alma, ensinamentos de que foi símbolo vivo Mahatma Gandhi. Embora este fenômeno possa resultar positivo e libertador para os seus seguidores, não constitui um desenvolvimento religioso significativo.
Fica-se num culto privado, numa espécie de parêntese dentro da cultura atual, num símbolo de crise que a atinge, mas não chega a converter-se em foco de energia espiritual capaz de orientar os valores culturais nem de atingir a visão da sociedade para modificá-la. Entretanto, não se pode negar a este movimento exótico a denuncia positiva dospseudo - valores ocidentais, a busca de autenticidade moral e a resposta útil, embora parcial a exigências radicais. No homem da sociedade industrial, que abandona a sua alma à alienação consumista ou que fica na mediocridade, entupindo-se com tranquilantes, estas praticas (Yoga) reavivam a energia espiritual com uma disciplina que é fonte de liberdade. A uma cultura racionalista, a sabedoria oriental oferece uma via intuitiva de contato com o Absoluto, partindo da dimensão corporal. Nossa civilização, incapaz de estabelecer relação correta com o universo, encontra nos métodos orientais um caminho de pacificação cósmica.
 
3. Movimentos religiosos comunitários.

Hoje assistimos a um vasto florescimento de grupos, comunidades  e Movimentos de caráter religioso, surgidosprincipalmente no seio das Igrejas cristãs.
Alguns deles como os Meninos de Deus, são movimentos informais que  recusam integrar-se nas Igrejas históricas; fazem oração de extática e emotiva ; opõem-se ás hipocrisias, às desumanizações e aos dogmatismos da sociedade oficial; admitem o uso das drogas para estimular as experiências
espirituais e entrar em contato direto com Jesus.
No âmbito da Igreja católica, as formas comunitárias derenovação e de compromisso cristãosão extremamente variadas e difíceis de ser identificadas e agrupadas segundo seu tipo próprio.  O aspecto comunitário e místico é destacado pelos grupos de renovação carismática, entre os quais se repetem as manifestações de oração em línguas e curas da Igreja primitiva num contexto de oração no Espirito.
Também realçam este aspecto as comunidades neocatecumenais, que, mediante um longo período de catequese, pretendem percorrer as etapas da iniciação batismal, a fim de viver um cristianismo mais responsável.
O mesmo pode se dizer dos movimentos leigos, como o dos Focolares, que procuram levar ao ambiente de cada dia o testemunho cristão ativo no espirito do amor-unidade.
Uma evidente acentuação do compromisso histórico-politico se verifica nas comunidades de base, fenômeno reformador nascido da necessidade de grupos segundo a medida humana, de liturgia domestica, de evangelização da religiosidade popular, da leitura bíblica atualizada, de tomada de consciência do estado de violência institucionalizada e de luta pela libertação.

3.Sensibilidade diante da dimensão transcendente da experiência.

No mundo de hoje, mesmo que em formas diferentes do que no passado, vai se criando uma abertura para o Transcendente, partindo de algumas experiências que as pessoas fazem.
Tem o aparecimento de um forte sentimento de solidariedade com os outros, sobretudo os menos privilegiados, e uma forte convicção de serem todos destinados a uma vida superior.
O novo sentido da vocação humana proporciona a energia que estimula os grupos de ação social, a se empenharem no movimento ecológico que procura defender a superfície da terra, e nos grupos terapêuticos que promovem a libertação das pessoas de todos os tipos de escravidão.
É característica do nosso tempo a descoberta da dimensão religiosa na história cotidiana; a transcendência é descrita como sentimento de união, saída de se mesmo, vida purificada e renovada, satisfação e gozo.
A impressionante mudança da espiritualidade, demostrada por estes fenômenos mencionados epor outras experiências religiosas(como encontros nas casas de oração, em centros ecumênicos-contemplativos, em lugares de deserto), constitui uma forte critica contra a sociedade unidimensional, racionalista demais, e dominada pela idéia do progresso, da eficiência, do desenvolvimento econômico. Evidencia a necessidade religiosa do homem, que corre o risco de ver-se obnubilado pela tecnologia. Ser homem não se reduz a produzir, mas a saber escutar o mistério das coisas, contemplar a realidade, encontrar a unidade com a natureza e com todos os homens, refletir sobre o sentido da vida humana através de gestos e de ritos simbólicos.
Porém, este despertar da espiritualidade em nosso tempo leva consigo alguns riscos: por um lado o distanciar-se de um mundo secularizado e das árduas tarefas da ciência, do trabalho  e do compromisso sócio-politico; ou por outro lado, de descuidar-se da referencia explicita ao fato histórico da revelação bíblico-cristã.
 
5. Êxodo cultural da espiritualidade.

Quandofalamos de cultura entendemos “o conjunto unitário que inclui o conhecimento, a crença, a arte, a moral, as leis e qualquer outra capacidade e habito adquirido pela pessoa humana como membro da sociedade”. É claro que não se pode tirar dela a religião.
Nós sabemos que o cristianismo se encarna na historia e aspira a transformar a pessoa em sua situação cultural.
Por haver radicalizado a transcendência da fé, que dissocia a fé da historia,o ser crente e o ser homem, acabando por contatar com o homem somente na dominicalidade da fée não na cotidianidade dos dias de trabalho, constatamos hoje, com tristeza, o abismo que separa o pensamento moderno da doutrina cristã. “A ruptura entre Evangelho e cultura é, sem duvida alguma, o drama de nosso tempo”.
 
Marina Melis
Diretora Local
 

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