O mártir e o crucificado: Auschwitz e o Calvário

Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida por seus amigos” (Jo 15,13). São as palavras de Cristo pronunciadas na véspera da sua paixão... Estas palavras foram confirmadas no dia seguinte, seladas com o dom da vida pelos amigos, ou seja, por todos os homens. Um homem, um discípulo de Cristo, um filho de São Francisco realizou em sentido analógico, mas muito autêntico, o mesmo gesto de Cristo quando, no campo de concentração, deu a vida por um outro homem”.
Se portanto é possível – mantendo-se em um nível analógico – instituir um paralelo entre a paixão de Cristo e o sacrifício do mártir franciscano, diremos que Padre Kolbe viveu, em várias etapas, a experiência da paixão.

“A minha alma está triste”
“E, levando consigo Pedro, Tiago e João, começou a apavorar-se e a angustiar-se. E disse-lhes: ‘A minha alma está triste até a morte. Permanecei aqui e vigiai’” (Mc 14,33-34).
Na noite de 16 de fevereiro de 1941, véspera da sua prisão, Padre Kolbe se entretém com um grupo de jovens frades falando sobre a graça do martírio que – afirma – quase certamente lhe seria concedida. De volta à sua cela, como Cristo na véspera da paixão, Padre Kolbe não consegue dormir. Intui, de fato, que “a hora” está para chegar. Às duas da madrugada, acorda um irmão e reza com ele, na sua cela. Às quatro, um outro irmão recebe a sua visita e nota a palidez de seu rosto.

“Amigo, por isso estás aqui”
“Eis que veio Judas, um dos doze acompanhado de grande multidão com espadas e paus, da parte dos chefes e sacerdotes e dos anciãos do povo” (Mt 26,47).
Como Jesus, Maximiliano prevê e preanuncia a sua prisão definitiva: “Disse-me abertamente – conta um confrade – que na metade de fevereiro a Gestapo viria por causa dele. Notei que ele não parecia assustado, mas multiplicou os seus esforços para preparar espiritualmente o convento inteiro para a eventualidade da perseguição.” No dia 17 de fevereiro de 1941, três automóveis escuros vem buscar Padre kolbe, também ele traído, mesmo se por superficialidade, por um ex-membro de Niepokalanów. Antes que o levem embora, dirige-se aos seus frades, demonstrando extraordinária calma e consciência, e se despede com uma exortação: “Não esqueçam o amor”.

“Caçoavam e espancavam-no”
“Prenderam-no e levaram-no... caçoavam de Jesus, espancavam-no e o interrogavam: ‘Faz uma profecia: quem é que te bateu?’... levaram-no para o Sinédrio” (Lc 22,54-56).
Padre Maximiliano, que já conhecia os deságios da prisão em Lamsdorf, Amitz e Ostrzeszow, é conduzido a Varsóvia e preso em Pawiak, cárcere de triagem para os campos de extermínio. O hábito franciscano o expõe a maus-tratos e humilhações de todos os gêneros, todavia a sua paz interior nunca é abalada. Caminha à luz da fé e do abandono em Deus Amor.

“Então eles tomaram a Jesus. E ele saiu, carregando a sua cruz, e chegou ao chamado 'Lugar da Caveira' – em hebraico chamado Gólgota” (Jo 19,17).
No dia 2 de maio de 1941 Padre Kolbe é conduzido a Auschwitz. É a hora do calvário. A cruz é cada vez mais pesada. Um sobrevivente descreve os abusos sofridos por ele. “Aqui ele tem como kapó Krott, o sanguinário”, que o persegue com um ódio indescritível. Deve transportar, correndo, pesadíssimos trocos de árvore e quando cai, vencido pelo peso, chovem os golpes sobre as suas costas dilacerada e reduzida a retalhos. Uma vez o kapó, por puro sadismo, manda o carrasco mais forte dar-lhe cinquenta chicotadas. O padre não se mexeu mais. Krott, achando que ele está morto, deixa-o ali mesmo”.

“Ofereço a vida”
“Eu sou o bom Pastor... Eu dou minha vida pelas minhas ovelhas...Ninguém a tira de mim, mas eu a dou livremente” (Jo 10,14.15.18).
No final de julho um prisioneiro do mesmo bloco que Padre Kolbe consegue fugir. A represália é imediata: dez prisioneiros morrerão no seu lugar, no bunker da fome. Mas entre as filas dos sobreviventes, em um dos prisioneiros amadurece a mais inesperada das decisões. Sai das fileiras, dá alguns passos e, indicando um dos condenados que grita desesperado, diz com tom calmo e decisivo: “gostaria de morrer no lugar daquele homem que tem mulher e filhos, sou um padre católico”. A proposta é aceita. Como Cristo, também Padre Kolbe entra na paixão de livre e espontânea vontade: “Pelo homem, Maximiliano Kolbe morreu, ou melhor, não morreu, mas deu a vida” (João Paulo II).

“Eis o homem!”

“Eis o homem... Eu não encontro culpa nele” (Jo 19,5.6).
Diante da força de coragem do prisioneiro número 16670, o comandante do campo, Fritsch, parece experimentar um momento de incerteza atônita e recua ligeiramente. Dali a pouco também os carcereiros, que assistem a lenta agonia, encontram-se obrigados a manifestar a sua admiração: “Eis um cavalheiro. Um assim, aqui, nós nunca tivemos”.

“Tomaram suas roupas”
“Os soldados, quando crucificaram Jesus, tomaram suas roupas e repartiram em quatro partes, uma para cada soldado e a túnica” (Jo 19,23).
Aos condenados é dada a ordem de despirem-se diante da repartição; entram nus na sua última morada. O Homem da cruz está nu, com os braços escancarados, para que o amor possa melhor difundir-se no mundo. Também Padre Kolbe está nu, na cela da morte, para partilhar até as últimas consequências a sorte dos seus companheiros. O seu corpo será queimado, as suas cinzas espalhadas ao vento para melhor difundir-se em tantos cantos do mundo.

“A si mesmo não pode salvar”
“A outros salvou, a si mesmo não pode salvar!” (Mc 15,31).
Nem mesmo Padre Kolbe salva a si mesmo, mas a um outro, tantos outros porque, não é obrigado, oferece-se espontaneamente. Jesus morre pelo mundo inteiro. Padre Kolbe dá a vida por um só homem. “Vida por vida”. A sua vida é espalhada em libação pelo mundo inteiro porque, como diz um ditado rabínico: “Quem salva uma vida, salva o mundo inteiro”. Jesus não desceu da cruz. Padre Maximiliano não permaneceu na fila. Nas filas das seguranças humanas. Sai, expõe-se, faz a sua oferta. Não oferece qualquer coisa de si, oferece a vida. A sua vida.

“Pai, perdoa-lhes”
“Perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem” (Lc 23,34).
Padre Kolbe olha com amor os seus algozes, até mesmo no bunker da fome, mas eles não suportam o seu olhar e gritam: “Não nos olhe deste modo!” . Olhar nos olhos compromete. Refletir uma vida de mentira nos olhos bons de Padre Kolbe causa desconforto, por isso gritam com ele: “Olha para o chão”. Olhará também para o chão, mas nada nem ninguém lhe impedirá de responder ao mal com o bem, como Jesus.

“Tenho sede!” (Jo 19,28).
A sede que Deus tem do homem se manifesta de modo poderoso no Gólgota.
A morte dos dez prisioneiros é alucinante, a intensidade do sofrimento os leva à loucura. O pior de tudo é a sede, terrível na escura cela do bunker. Mas é outra sede aquela que os leva a cantar hinos e cânticos religiosos: é sede de Deus.

“Tudo está consumado!” diz o Homem do Calvário.
Consummatuns est” repete o homem de Auschwitz.
A vida de um homem termina. Não fica nada senão o amor.

Jesus morre fora dos muros da cidade. Maximiliano Kolbe morre exilado, fora do convento. Não na paz de um claustro franciscano, mas no horror desumano de um campo de concentração. As dificuldades, as incompreensões, as provas mais duras não o condicionaram na sua oferta. Inflamaram-no cada vez mais no amor de Deus e do próximo, convicto que “a cruz é escola de amor”.

Angela Esposito
Missionária da Imaculada-Padre Kolbe
Polônia


Todo o dia 14, as Missionárias da Polônia estarão depositando na cela de Padre Kolbe as intenções enviadas para o e-mail: celakolbe@kolbemission.org

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