A Páscoa interior

Santos Marcelino e Pedro, do início do século IV. 
     (© Pontificia commisionedi archeologia sacra) / Vatican News

 

Ressuscitar interiormente é também um convite que o calendário litúrgico nos faz por ocasião da Páscoa, após a Quaresma. Mas o que é? O que recorda? Como viver a Festa da Ressurreição do Senhor?


Assim como uma mulher enferma é curada ao tocar Jesus (Mc 5,25-34), podemos tocá-Lo nos sacramentos e receber a força que vem Dele, manifestada de maneira inexplicável em Sua Páscoa.


O dia em que recebi o convite para escrever sobre a Páscoa do Senhor, este foi marcado pela páscoa de um senhor que pude conhecer por meio de um trabalho remoto. Uma colega frequentemente trabalhava na casa dos seus avós e, muitas vezes, nós - seus colegas de trabalho - conversávamos com seu avô. Não tive a graça de conhecê-lo pessoalmente mas convivi por dois anos com essa colega que se tornou amiga e sua família. Pude provar e ver, no dia a dia, como o Biso - como era chamado - era amado por ela e seus familiares. Os muitos cuidados da família com ele revelaram a importância que ele tinha em suas vidas. E agora, após sua passagem, ficam os ensinamentos, os carinhos, as palavras desse senhor, registrados todos no coração daqueles que conviveram com ele, enriquecendo-os com as boas experiências, gestos e frases ditas por ele. Seu legado permanece.

Mas o que isso tem a ver com a Páscoa do Senhor? Quando alguém que amamos se vai fisicamente, já não pode ser visto aqui, em carne e osso, vai-se revelando sua herança espiritual, o que ele ou ela nos deixou.


Principal festa do calendário cristão

A Páscoa é conhecida como a festa do Amor comprovado, provado, experimentado e comunicado pela morte de cruz do Senhor. Pela paixão que a antecedeu e pela ressurreição do Senhor, três dias após sua morte sacrificial. O fato de Jesus ter ressuscitado é o fundamento da nossa religião católica, porque é a principal prova de Sua divindade e da verdade, da solidez, da concretude, da nossa fé. Cremos em uma Pessoa, que nasceu, viveu, se alegrou, sofreu e morreu sob tortura, pedindo perdão por quem o matou, e que ressuscitou para dizer que nem a morte nos pode separar do amor do Pai e da paz que adquirimos quando vivemos em intimidade com Ele.

É por isso, a festa mais singular do nosso calendário litúrgico, ápice da história humana e divina de Jesus Cristo. O dia que compreende vários dias: desde a Quinta-feira Santa até o Domingo da Misericórdia e, depois, o Tempo Pascal ainda se estende até a festa de Pentecostes. O domingo de Páscoa, dia da Ressurreição do Senhor, tornou-se o Dia da Vitória.

O nome Páscoa vem de uma das festas mais solenes do calendário da Antiga Lei que recorda a passagem do Anjo exterminador dos primogênitos egípcios e da libertação milagrosa do povo de Deus da escravidão do Faraó, figura da libertação do mal, do demônio. Os judeus sacrificavam e comiam um cordeiro. Nós recebemos o Cordeiro imolado para nos resgatar do pecado.

Os discípulos e as discípulas que seguiram Jesus por três anos durante Sua vida pública - penso na Mãe, nos primos e parentes e amigos (arrisco dizer) - também se envolveram, ou seja, participaram dos dias em que Ele já sofria por saber o que viria como consequência de Seus ensinamentos acerca da fé (quem era o Pai; quem Ele próprio era, o Filho; e de quem conduziria a todos assim que Ele partisse: o Espírito Santo). Sim, a Páscoa é o momento em que valorizamos quem foi Jesus, o que veio trazer a nós - a Salvação, o perdão dos pecados, ensinamentos de vida e relação consigo, irmãos e o Pai - e, com a Sua partida, podemos, com a ajuda do Espírito Divino, entender tudo isso e acolher todo um legado gigantesco que vamos acondicionando em nosso coração à medida que o deixamos ser alargado, ampliado, convertido, abençoado, para compreender todos os mistérios da fé e ser morada desse mesmo Jesus, ou da Trindade, como queira pensar.


Como viver essa data na minha individualidade?

A Páscoa é ocasião de recomeço, de reordenar a casa e a vida. Pela caminhada quaresmal que nos leva a nós mesmos, ao que posso melhorar, ao que devo mudar, a pedir ajuda e a ajudar os demais em suas lutas individuais. É um caminho para tornar-se semente de transformação onde quer que estejamos. Esmola, oração, jejum: com essas ferramentas experimentamos nossas fragilidades, debilidades, fraquezas, mas também o domínio de si, ou seja, nossa força interior, até onde podemos ir em generosidade e caridade, na imitação do Cristo que se doa.

Exercitar essa força pessoal, trazer sempre mais para si a responsabilidade do que acontece conosco e o que vamos fazer com o que fizeram conosco é o caminho da libertação interior para que, em nosso coração, o amor supere todos os demais sentimentos e dê a diretriz de nossos pensamentos e ações. “Todos saberão que sois os meus discípulos se vos amardes uns aos outros como eu vos amei” (Jo 13,35). Sim, o mandamento do amor foi antes vivido por Jesus porque deixou-se amar pelo Pai. Assim, Sua pregação tem força transformadora.

Mais do que comer chocolate, que é muito bom e pode fazer muito bem, vamos internalizar, comemorar, agradecer reconhecendo Jesus ressuscitado como o nosso Deus, mestre de vida, Senhor, guia, salvador, como você necessite agora vê-Lo para trazer à sua vida toda a potência transformadora, curativa, alegre, vivaz da presença deste Deus Forte, amigo, irmão, médico, conselheiro. O nosso Deus está dentro de nós, entre nós. Vamos ressuscitar espiritualmente com Ele nesta oportunidade, nesses dias em que celebramos a Festa Pascal. Viva Jesus!

Convido você a reler alguns trechos do Catecismo da Igreja Católica, na Seção II, Capítulo II, artigos 4, 5 e 6, que tratam sobre Sua paixão, morte e ressurreição (parágrafos 571 a 667) e entender os mistérios da nossa fé e, ao mesmo tempo, contemplar que essa Páscoa acontece todos os dias na celebração do mistério cristão que se expressa nos sacramentos e na liturgia (parágrafos 1076 a 1199).


Túlia Savela
Jornalista


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