O entrelaçamento indissolúvel de fé e caridade

A existência cristã consiste
num contínuo subir ao monte do encontro com Deus e depois voltar a descer,
trazendo o amor e a força que daí derivam, para servir os nossos irmãos e irmãs
com o próprio amor de Deus. Na Sagrada Escritura, vemos como o zelo dos
Apóstolos pelo anúncio do Evangelho, que suscita a fé, está estreitamente ligado
com a amorosa solicitude pelo serviço dos pobres (cf. At 6, 1-4). Na Igreja,
devem coexistir e integrar-se contemplação e ação, de certa forma simbolizadas
nas figuras evangélicas das irmãs Maria e Marta (cf. Lc 10, 38-42). A prioridade
cabe sempre à relação com Deus, e a verdadeira partilha evangélica deve
radicar-se na fé (cf. Catequese na Audiência geral de 25 de Abril de 2012). De
fato, por vezes tende-se a circunscrever a palavra «caridade» à solidariedade
ou à mera ajuda humanitária; é importante recordar, ao invés, que a maior obra
de caridade é precisamente a evangelização, ou seja, o «serviço da Palavra». Não
há ação mais benéfica e, por conseguinte, caritativa com o próximo do que
repartir-lhe o pão da Palavra de Deus, fazê-lo participante da Boa Nova do
Evangelho, introduzi-lo no relacionamento com Deus: a evangelização é a promoção
mais alta e integral da pessoa humana. Como escreveu o Servo de Deus Papa Paulo
VI, na Encíclica Populorum progressio, o anúncio de Cristo é o primeiro e
principal fator de desenvolvimento (cf. n. 16). A verdade primordial do amor de
Deus por nós, vivida e anunciada, é que abre a nossa existência ao acolhimento
deste amor e torna possível o desenvolvimento integral da humanidade e de cada
homem (cf. Enc. Caritas in veritate, 8).
Essencialmente, tudo parte do
Amor e tende para o Amor. O amor gratuito de Deus é-nos dado a conhecer por meio
do anúncio do Evangelho. Se o acolhermos com fé, recebemos aquele primeiro e
indispensável contato com o divino que é capaz de nos fazer «enamorar do Amor»,
para depois habitar e crescer neste Amor e comunicá-lo com alegria aos
outros.
A propósito da relação entre
fé e obras de caridade, há um texto na Carta de São Paulo aos Efésios que a
resume talvez do melhor modo: «É pela graça que estais salvos, por meio da fé. E
isto não vem de vós; é dom de Deus; não vem das obras, para que ninguém se
glorie. Porque nós fomos feitos por Ele, criados em Cristo Jesus, para vivermos
na prática das boas ações que Deus de antemão preparou para nelas caminharmos»
(2, 8-10). Daqui se deduz que toda a iniciativa salvífica vem de Deus, da sua
graça, do seu perdão acolhido na fé; mas tal iniciativa, longe de limitar a
nossa liberdade e responsabilidade, torna-as mais autênticas e orienta-as para
as obras da caridade. Estas não são fruto principalmente do esforço humano, de
que vangloriar-se, mas nascem da própria fé, brotam da graça que Deus oferece em
abundância. Uma fé sem obras é como uma árvore sem frutos: estas duas virtudes
implicam-se mutuamente. A Quaresma, com as indicações que dá tradicionalmente
para a vida cristã, convida-nos precisamente a alimentar a fé com uma escuta
mais atenta e prolongada da Palavra de Deus e a participação nos Sacramentos e,
ao mesmo tempo, a crescer na caridade, no amor a Deus e ao próximo, nomeadamente
através do jejum, da penitência e da esmola.
Trecho da Mensagem de Bento XVI para a quaresma de 2013
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